domingo, 26 de outubro de 2014
Menos sobre eleições, mais sobre atitudes. Eleições 2014, Brasil.
segunda-feira, 8 de novembro de 2010
Calem a boca, Nordestinos!

Por José Barbosa Júnior
A eleição de Dilma Rousseff trouxe à tona, entre muitas outras coisas, o que há de pior no Brasil em relação aos preconceitos. Sejam eles religiosos, partidários, regionais, foram lançados à luz de maneira violenta, sádica e contraditória.
Já escrevi sobre os preconceitos religiosos em outros textos e a cada dia me envergonho mais do povo que se diz evangélico (do qual faço parte) e dos pilantras profissionais de púlpito, como Silas Malafaia, Renê Terra Nova e outros, que se venderam de forma absurda aos seus candidatos. E que fique bem claro: não os cito por terem apoiado o Serra... outros pastores se venderam vergonhosamente para apoiarem a candidata petista. A luta pelo poder ainda é a maior no meio do baixo-evangelicismo brasileiro.
Mas o que me motivou a escrever este texto foi a celeuma causada na internet, que extrapolou a rede mundial de computadores, pelas declarações da paulista, estudante de Direito, Mayara Petruso, alavancada por uma declaração no twitter: "Nordestino não é gente. Faça um favor a SP, mate um nordestino afogado!".
Infelizmente, Mayara não foi a única. Vários outros “brasileiros” também passaram a agredir os nordestinos, revoltados com o resultado final das eleições, que elegeu a primeira mulher presidentE ou presidentA (sim, fui corrigido por muitos e convencido pelos "amigos" Houaiss e Aurélio) do nosso país.
E fiquei a pensar nas verdades ditas por estes jovens, tão emocionados em suas declarações contra os nordestinos. Eles têm razão!
Os nordestinos devem ficar quietos! Cale a boca, povo do Nordeste!
Que coisas boas vocês têm pra oferecer ao resto do país?
Ou vocês pensam que são os bons só porque deram à literatura brasileira nomes como o do alagoano Graciliano Ramos, dos paraibanos José Lins do Rego e Ariano Suassuna, dos pernambucanos João Cabral de Melo Neto e Manuel Bandeira, ou então dos cearenses José de Alencar e a maravilhosa Rachel de Queiroz?
Só porque o Maranhão nos deu Gonçalves Dias, Aluisio Azevedo, Arthur Azevedo, Ferreira Gullar, José Louzeiro e Josué Montello, e o Ceará nos presenteou com José de Alencar e Patativa do Assaré e a Bahia em seus encantos nos deu como herança Jorge Amado, vocês pensam que podem tudo?
Isso sem falar no humor brasileiro, de quem sugamos de vocês os talentos do genial Chico Anysio, do eterno trapalhão Renato Aragão, de Tom Cavalcante e até mesmo do palhaço Tiririca, que foi eleito o deputado federal mais votado pelos... pasmem... PAULISTAS!!!
E já que está na moda o cinema brasileiro, ainda poderia falar de atores como os cearenses José Wilker, Luiza Tomé, Milton Moraes e Emiliano Queiróz, o inesquecível Dirceu Borboleta, ou ainda do paraibano José Dumont ou de Marco Nanini, pernambucano.
Ah! E ainda os baianos Lázaro Ramos e Wagner Moura, que será eternizado pelo “carioca” Capitão Nascimento, de Tropa de Elite, 1 e 2.
Música? Não, vocês nordestinos não poderiam ter coisa boa a nos oferecer, povo analfabeto e sem cultura...
Ou pensam que teremos que aceitar vocês por causa da aterradora simplicidade e majestade de Luiz Gonzaga, o rei do baião? Ou das lindas canções de Nando Cordel e dos seus conterrâneos pernambucanos Alceu Valença, Dominguinhos, Geraldo Azevedo e Lenine? Isso sem falar nos paraibanos Zé e Elba Ramalho e do cearense Fagner...
E não poderia deixar de lembrar também da genial família Caymmi e suas melofias doces e baianas a embalar dias e noites repletas de poesia...
Ah! Nordestinos...
Além de tudo isso, vocês ainda resistiram à escravatura? E foi daí que nasceu o mais famoso quilombo, símbolo da resistência dos negros á força opressora do branco que sabe o que é melhor para o nosso país? Por que vocês foram nos dar Zumbi dos Palmares? Só para marcar mais um ponto na sofrida e linda história do seu povo?
Um conselho, pobres nordestinos. Vocês deveriam aprender conosco, povo civilizado do sul e sudeste do Brasil. Nós, sim, temos coisas boas a lhes ensinar.
Por que não aprendem conosco os batidões do funk carioca? Deveriam aprender e ver as suas meninas dançarem até o chão, sendo carinhosamente chamadas de “cachorras”. Além disso, deveriam aprender também muito da poesia estética e musical de Tati Quebra-Barraco, Latino e Kelly Key. Sim, porque melhor que a asa branca bater asas e voar, é ter festa no apê e rolar bundalelê!
Por que não aprendem do pagode gostoso de Netinho de Paula? E ainda poderiam levar suas meninas para “um dia de princesa” (se não apanharem no caminho)! Ou então o rock melódico e poético de Supla! Vocês adorariam!!!
Mas se não quiserem, podemos pedir ao pessoal aqui do lado, do Mato Grosso do Sul, que lhes exporte o sertanejo universitário... coisa da melhor qualidade!
Ah! E sem falar numa coisa que vocês tem que aprender conosco, povo civilizado, branco e intelectualizado: explorar bem o trabalho infantil! Vocês não sabem, mas na verdade não está em jogo se é ou não trabalho infantil (isso pouco vale pra justiça), o que importa mesmo é o QUANTO esse trabalho infantil vai render. Ou vocês não perceberam ainda que suas crianças não podem trabalhar nas plantações, nas roças, etc. porque isso as afasta da escola e é um trabalho horroroso e sujo, mas na verdade, é porque ganha pouco. Bom mesmo é a menina deixar de estudar pra ser modelo e sustentar os pais, ou ser atriz mirim ou cantora e ter a sua vida totalmente modificada, mesmo que não tenha estrutura psicológica pra isso... mas o que importa mesmo é que vão encher o bolso e nunca precisarão de Bolsa-família, daí, é fácil criticar quem precisa!
Minha mensagem então é essa: - Calem a boca, nordestinos!
Calem a boca, porque vocês não precisam se rebaixar e tentar responder a tantos absurdos de gente que não entende o que é, mesmo sendo abandonado por tantos anos pelo próprio país, vocês tirarem tanta beleza e poesia das mãos calejadas e das peles ressecadas de sol a sol.
Calem a boca, e deixem quem não tem nada pra dizer jogar suas palavras ao vento. Não deixem que isso os tire de sua posição majestosa na construção desse povo maravilhoso, de tantas cores, sotaques, religiões e gentes.
Calem a boca, porque a história desse país responderá por si mesma a importância e a contribuição que vocês nos legaram, seja na literatura, na música, nas artes cênicas ou em quaisquer situações em que a força do seu povo falou mais alto e fez valer a máxima do escritor: “O sertanejo é, antes de tudo, um forte!”
Que o Deus de todos os povos, raças, tribos e nações, os abençoe, queridos irmãos nordestinos!
domingo, 7 de novembro de 2010
Castelos de Isopor
Quem de nós nunca foi a uma festa infantil? Aqueles que têm um senso mínimo de percepção espacial podem concluir comigo que aquelas belíssimas decorações das mesas são um verdadeiro capricho da engenhosidade humana. Lembro-me de uma festa que fui cujo tema era “Jardim Encantado”. Havia castelos de flores e árvores, animais articulados, jogos de luzes, fadas e duendes, movimentação de trenzinhos, dentre outros. Até formiguinhas com olhinhos móveis. Fiquei maravilhada com a criatividade e com a perfeição de cada detalhe. Permaneci até o final, como se costuma fazer nessas festas de família, e pude ver algo que me trouxe alguma reflexão. A desarrumação da festa.
Em menos de 15 minutos toda aquela mesa estava destruída. Foi permitido às crianças o acesso às guloseimas que estavam em cima, e tudo se foi junto com o alvoroço. Vi os donos da festa impressionados e assustados, eles deviam pensar como fora tão rápido voltar ao estado “nu” do salão que havia sido preparado durante exaustivos 2 dias. Ainda bem já haviam tirado fotos.
Bom, mas quero compartilhar aqui a minha reflexão sobre esses fatos. Na verdade, gostaria de fazer uma associação com aquilo que tenho vivido no curso médico, nesses quase 6 semestres completos de curso.
Entramos na universidade já com uma nova cara. A reforma curricular do curso já havia se instalado de direito e, achávamos nós, que também de fato. No entanto, fomos “surpreendidos” com uma grade curricular um tanto quanto desestimulante no primeiro período. Sonhos frustrados? Não, acho que essa não é a pergunta correta. Viemos sim, cheios de sonhos, mas também com a cabeça aberta a tudo de novo que nos seria apresentado. Expectativas então? Essas sim, essas talvez tenham amornado ou até esfriado no pensamento de alguns. Mas fomos superando e aos poucos nos inteirando daquilo que o curso médico realizou e vem realizando ao longo dos tempos.
A impressão que tenho é de que é como se essa reforma curricular que sabemos ser um grande avanço ainda não estivesse preparada para ser instalada. Ou melhor, não é bem isso. Acredito que a cultura educacional do nosso país ainda não está preparada para sofrer transformações tão drásticas num tradicionalismo que, acham eles, dar certo eternamente. Mas não acho que vale muito a pena entrar nesse mérito, apesar de oportuno, seria um texto politicamente longo, talvez provocador, mas um tanto quanto parcial.
Vale, sim, destacar que desde cedo somos acostumados a buscar conhecimento para manter determinados padrões. O que quero dizer com isso? Se pusermos na curva de Gauss os estudantes brasileiros (digo aqui aqueles que realmente estudam) podemos observar um padrão aproximado da seguinte forma: a grande massa estuda por notas, e aqueles que estão nos percentis mais afastados estudam, de fato, pelo conhecimento e pela contribuição pessoal e social desse conhecimento adquirido. O estudante de medicina devia enquadrar-se nesses percentuais mais afastados, mas não é o que acontece sempre. E de quem é a culpa disso? Quem sou eu para julgar? Mas, é certa uma coisa: a universidade que deveria ser (ou pelo menos tentar) transformadora desses pensamentos nos jovens que adentram, na verdade, tende a atrapalhar um pouco o processo.
A entrada na universidade é um período que nos distanciamos da família e, com isso, de alguns princípios da criação. Não pelo fato de esquecermos aquilo que nossos pais nos ensinaram, mas pelo fato de adentrarmos novos universos, termos agora novas percepções de vida e do mundo, e traçarmos novos horizontes a serem alcançados. E o curso médico deveria, a meu ver, articular-se prevendo esses acontecimentos, a fim de trabalhar nos estudantes os princípios éticos e morais para que a formação seja satisfatória. E aqui aproveito para destacar o importante valor do eixo humanístico e social do curso que, ainda tímido em alguns momentos, tem ganhado um espaço importante e divisor d’águas da formação médica.
Já que tenho falado de sociedade acho prudente que pensemos um pouco sobre como esta vê a profissão médica e o indivíduo médico. Somos nós (profissionais médicos) vistos, muitas vezes, como o curador, o solucionador, aquele que veio para resolver os problemas. Como habitamos um país pobre, onde a grande maioria das pessoas depende do SUS, é mais evidente esse endeusamento do profissional médico como alguém que veio sanar o maior problema do indivíduo em questão. E nós, na nossa humanidade extrema, abraçamos essa idéia e, muitas vezes, até concordamos com ela. Aí está o X da questão.
A estrutura atual do curso médico nos faz pensar em alguns temas importantes, um deles é a hierarquia. Vejo como sendo uma dificuldade constante essa de se submeter a uma liderança. A estrutura departamental do curso se acha (ou é) autônoma suficiente para ditar suas regras e conduzir seus módulos como melhor entender. Nesse meio, a figura da coordenação torna-se um mero moderador das ações, sem nenhum poder decisivo, sem nenhuma influência determinante. E nós alunos, coitados, somos os cobaias das experiências individuais e, muitas vezes dissonantes, de cada professor, coordenador ou departamento.
Por que tudo isso acontece? Da palavra grega “Narke” deriva o termo narcisista, que quer dizer entorpecido. No conceito que conhecemos, trata-se de indivíduos cheios de si mesmo, entorpecidos, que se auto-esmeram. E é isso que vejo acontecer no nosso curso. É como se cada departamento, dentro de cada especialidade médica, se achasse o mais importante. E, com isso, vamos nos formando mini-especialistas de neurologia, de ginecologia, de endocrinologia, de pneumologia e... no fim das contas, nem generalistas sabemos ser direito. A primeira mudança que proponho é uma reflexão quanto a esse narcisismo exacerbado. É sabido que temos professores fantásticos, grandes nomes da medicina e da ciência. Mas todos também sabemos que muitos desses se vangloriam dos títulos, se apóiam em estruturas instáveis de feitos do passado, se espelham numa imagem criada pela e para a sociedade e, assim, vão levando como podem o dever que têm da docência. Isso por que consideram fazer muito pela sociedade (e realmente muitos o fazem), mas esquecem que a negligência com o nosso aprendizado é o pior “crime” social que têm cometido. Esquecem a responsabilidade extrema que têm de ser exemplo para jovens como nós.
Sugiro então um repensar da condição narcisista de auto-admiração para auto-conhecimento. Um indivíduo que toma a consciência do conhecimento de si mesmo, de suas capacidades e limitações (que são muitas) é o primeiro a trazer as melhores contribuições tanto pessoais quanto sociais. E é desse tipo de profissional que o curso médico precisa, tanto na liderança, quanto nos liderados. Profissionais que saibam reconhecer na sua limitação o valor do outro, que saibam entender que a especialidade X não é mais importante que a Y, e que, no fim das contas, o mais importante mesmo é a boa formação do aluno. É preciso que cada chefe de departamento abstenha-se da auto-admiração e comece a compreender a necessidade de ser liderado, não para ser mero “pau mandado” de um coordenador, mas sim para harmonizar as notas e entoar os acordes da organização do curso.
Dessa forma, talvez nós alunos deixemos de ser vistos como bibelôs, como pupilos escolhidos de cada professor, em quem são depositadas apostas sobre o que farão no futuro, apostas sobre o que podem fornecer agora, e nunca apostas para cobrir o que de fato é necessidade. Deixaremos de ser os escolhidinhos da ginecologia, da pediatria, da neurologia e passaremos a ser vistos como indivíduos que precisam dar importância e ver importância em todas as áreas.
Somente dessa forma o curso médico deixará de ser construtor desses castelos de isopor das festas infantis. Castelos que são lindos, compostos por grandes nomes das mais diversas especialidades, mas que não têm a base do conhecimento humano, social e holístico. Castelos que decoram a imagem da Universidade diante do país e, quiçá, do mundo, mas que se abalam com um simples vento (aqui representado por uma prova de residência ou uma avaliação do MEC – que também não são os melhores parâmetros). Castelos que ganham as melhores notas quantitativas e as piores qualitativas. Castelos que compõem uma estrutura arcaica e feudal, onde não há liderança e só vontades próprias. Castelos coloridos, que chamam a atenção dos olhos, mas que não atendem a demanda da população. Castelos que, apesar de ostentar alguma riqueza, não servem, no fim das contas, nem mesmo para massagear o ego daqueles que o constroem.
Deixará de construir castelos que, de fato, servem apenas para o dono da festa tirar uma foto bonita, guardar de recordação o retrato, a imagem do grande feito, mostrar para os outros verem, e, no fim das contas, deixá-los ao léu de quem quer que seja destruir sem qualquer dificuldade.
E passará a construir castelos firmes, que são o reflexo da capacidade humana e do merecimento da sociedade como retorno ao que fazem por nós e para nós.
segunda-feira, 4 de outubro de 2010
Desatando-Nós
Desatando-Nós
Hoje, pela primeira vez eu tive medo.
Pela primeira vez, que digo, durante esses últimos 2 anos e 2 meses de faculdade. Medo de não estar sendo o que as pessoas merecem que eu seja (não o que elas querem). Medo de não corresponder às necessidades do futuro, de não fazer o que o paciente - e a sociedade - e, principalmente eu mesma, espero de mim. Vi que já estudei muita coisa em 4 períodos, e constatei que não corresponde a quase nada do que se tem pela frente.
Qual a ordem de grandeza de células do nosso corpo?
Qual a osmolaridade do plasma humano normal?
Quais as vacinas que se toma com 6 meses de idade?
Qual a diferença de resposta Th1 e Th2?
Talvez eu soubesse responder todas essas perguntas. Talvez não. E realmente eu não sabia. Não por que não tivesse estudado, estudei sim, e muito (suficiente para umas coisas, e nulo para outras). Mas por algum motivo, não sabia. Os conceitos são apresentados a nós, e por mais que nos esforçemos veementemente em compreendê-los para aplicação prática e construção de novos conceitos e conhecimentos, muitas vezes esquecemos desse propósito no dia seguinte, e passamos a decorar fórmulas que respondam satisfatoriamente às provas e nos garantam um 7 mínimo no fim do semestre.
A ciência, ao longo do seu percurso, cria conceitos e, no estudo deles, distancia-se e aproxima-se da proposta original por diversas vezes e, dessa forma, novos e novos conceitos são criados. Braz da Silva, em 1998, disse que o estudo do percurso de aproximações e distanciamentos relativos à história de uma dada ciência que um determinado conceito apresenta tem [o estudo] como ponto de partida respostas e dúvidas relativas a esse conceito.
Pensemos agora naquilo que planejamos. Qual a concepção que temos de futuro? O que queremos com a medicina? Fazemos planos, vislumbramos um futuro bonito, humano, até mesmo de reconhecimento e prestígio, e... Quando começamos a correr atrás disso? Antes de ontem? Ontem? Hoje? Ou amanhã ainda da tempo? Segundo Piaget, as concepções prévias [do amanhã] podem ser tomadas como ponto de partida para a construção de novos conhecimentos. Assim sendo, o papel do indivíduo/estudante é o de construtor de seus conhecimentos a partir de seus interesses, que o conduz à ação no sentido de tomar para si um dado objeto. Agora, voltando às minhas palavras digo: o ponto de partida precisa ser "o hoje".
Então, pergunto-me: será que tenho feito isso? O que tem sido minha motivação para alcançar meus objetivos ou, no mínimo, ratificar minhas concepções prévias? Motivar-se é a mola propulsora, pois despertar interesse implica envolver o indivíduo em algo que tem valor para si. E essa deve ser nossa pulsão diária. Precisamos transformar o conhecimento num prazer. Isso, de forma alguma, aniquila os outros prazeres da vida (graças a Deus que não). Mas escolhemos cuidar do próximo, e cuidar do próximo tem que deixar de ser um mero dever e tornar-se de fato prazer. Vejamos o caso de Zilda Arnes: tinha família, filhos, marido, amigos. Dedicava-se incansavelmente a eles. Cursou a medicina num período de instabilidade governamental. Dedicava-se inteiramente a ela. Amou a pediatria e o trabalho social com as crianças que não tinham o mínimo sustento de vida. Dedicou-se inteiramente a isso. Morreu como um mártir (para os que sabem reconhecer), não por que tinha 100% de conhecimento, mas porque usou 100% do conhecimento que tinha para viver de maneira holística, completa, dedicando-se à família, trabalho, amigos e, no fim das contas, completando a essência de sua vida e satisfazendo as necessidades de prazer do seu coração.
Sei que preciso empenhar minha motivação visando à melhor prática possível da medicina, e sei que estou longe disso. Mas outra certeza que tenho é de que nada é impossível. O ser humano foi criado pelo Divino, e divinamente capacitado com um cérebro e um coração capazes de voar alto, e criar novas asas em diversas situações da vida. Mas para isso, é preciso alimentar-se. Nenhum organismo cresce sem nutrientes. A cognição não cresce sem acesso ao conhecimento, a ciência não cresce sem estudo, e o estudo não se sustenta sem motivação. "De nada adianta desenvolver em sala de aula um formalismo, seja matemático ou lógico, de um determinado problema, se este não se constitui enquanto problema para o estudante. Não se pode esperar superação em suas concepções alternativas se os estudantes engajados no processo de aprendizagem não estão, de fato, envolvidos no construir e questionar suas hipóteses. É necessário que se sintam seduzidos pelo que lhes é apresentado, que encontrem significação a partir das atividades desenvolvidas, para que possam compreender os enunciados científicos e a construção da própria ciência (Braz da Silva, 1998)."
Meu conselho a mim mesma, diante do espelho, e daqueles que esmero, é que eu me seduza pelas minhas escolhas. Não entrando no caminho de me perder nelas, e me perder na vida. Mas entrando no caminho de motivar-me a partir delas. De fazer com que o medo não se torne um fantasma, um estandarte do exército inimigo. Mas que se torne a incógnita que precisa ser descoberta, o atrito que precisa ser despresado, a resistência que precisa ser vencida, e a fonte de desafios que precisam ser alcançados.
Segundo Lenine, pernambucano de corpo e alma, carioca de política, e inteligente de berço: "O medo é como um laço que se aperta em nós, o medo é uma força que não me deixa andar".
Que nós possam ser desatados e que as cordas sirvam de ganchos para alçar vôos, pular barreiras e escalar montanhas. Que nós não nos prendam e impeçam de andar. Que o futuro, bem aí a diante, nos instigue constantemente a buscá-lo melhor do que o que ele parece ser, para que cheguemos nele achando bom ser como seremos.
Que o medo não seja prego que fixe, mas que seja mola que empurre, alto, longe, grande. Do tamanho da nossa capacidade, que é o melhor de nós.
Amanda Cristina Pereira
26 de março de 2010
quarta-feira, 26 de maio de 2010
O Andarilho
O Andarilho
Essa é a história de um viajante, José, que passou dias peregrinando por entre alguns municípios da XI regional de saúde de Pernambuco em busca de atendimento médico.
Na depressão avermelhada os juazeiros alargavam algumas manchas verdes. José tinha caminhado o dia inteiro, estava cansado e faminto. Fazia horas que procurava uma sombra, já havia descansado um pouco às margens do Pajeú, mas tinha sede. De longe, pôde ver a folhagem de uma caatinga rala e caduca, como ele.
Continuou andando e avistou a indicação Floresta, à direita. De imediato veio à mente uma abundância de águas, como o oásis visto em Triunfo, dias atrás da viagem. Logo, foi tomado por um vento quente que mais parecia o bafo de “sei-lá-quem” soprando na terra pobre e rachada. Viu que a visão era só um sonho.
Resolveu então mudar de rumo, pegou à esquerda em direção a Serra Talhada. No meio do caminho observava, triste, a caatinga que estendia-se de um vermelho indeciso salpicado de ossadas. No céu, seu único teto desde então, o vôo negro dos urubus fazia círculos altos em redor de moribundos vivos, mortos e quase-vivos.
José, repentinamente, sentiu uma punhalada na boca do estômago. A seca e a pobreza enfiaram-lhe uma faca em meio ao ventre e a fome lhe corroia de dentro para fora. Sabia que a região tinha, no máximo e de certeza, alguma plantação de cana-de-açúcar. Juntou umas moedas que ainda restavam no bolso e trocou-as por aguardente e uma lasca de rapadura. Desejou que aquela bebida refrescasse a sua mente, assim como o sopro gelado das noites “Triunfais”. Mas estava fraco, não tinha força nem para desejar, e a cachaça desceu queimando, como a bala da arma de lampião que matara seu avô queimando-o por dentro anos atrás.
Guardou a rapadura e continuou a viagem.
Era fevereiro, época das chuvas de verão. Por um raro momento José sentiu-se no paraíso quando aquelas gotas tímidas e escassas começaram a escorrer-lhe a cabeça queimada. Parou e viveu profundamente aquele momento. Quando abriu os olhos, viu um cão gordo ao seu lado. Não sabia se o bucho era prenhes ou vermes, mas aquela figura curiosa acompanhar-lhe-ia no resto da viagem. O cão olhava para José com os olhos de perdido. Ele levantou-se, seguiu viagem, e o cão o seguiu. Era seu novo amigo e ele sabia disso, então passou a chamar-lhe baleia que lhe lembraria as águas do Pajeú distante.
Finalmente chegou em Serra Talhada. Teve certeza disso ao escutar, lá no fundo, o ritmo do xaxado tomando seus ouvidos. Como aquele lugar tinha crescido! Pensou. Teve certeza que a cada passo que dava a cidade tinha cem pessoas a mais em cada lugar, que há quatro anos atrás, quando lá foi pela primeira vez. Gostaria de estar ali como turista, pois sabia que a cidade tinha muitos atrativos, mas esse não era o caso.
Resolveu sentar à escora de uma árvore que tinha guardado o último galho para fazer sombra na chegada de José. De longe, viu um bicho catando comida entre os detritos; o que achava engolia, com voracidade. De repente aquele Ser levantou-se e andou sobre duas pernas e José viu que o bicho, meu Deus, era um homem!
Chegou perto e ofereceu ao bicho-homem uma lasquinha de rapadura. Ele a engoliu de vez, e José pôde sentir a satisfação da fome saciada naquele homem. Baleia, nesse momento, já estava em meio aos entulhos, mas José não ligou muito. Não tinha nada de melhor para oferecer ao cão.
José então perguntou ao homem:
- Comé seu nome, cumpadi?
O bicho, ou melhor, o homem respondeu:
- O meu nome é Severino, como não tenho outro de pia, deram então de me chamar Severino de Maria do finado Zacarias.
José então disse:
- Meu avô era Severino, Severino de Itacuruba, porque era o ancião da cidade, na geração dele. Mas o danado do Lampião, homi dessa terra de cá, tratou de levar a alma de meu avô.
Severino respondeu:
- Ah Zé! Nós somos tudo Severino, iguais em tudo na vida, morremos de morte igual, mesma morte Severina, de velhice antes dos trinta, de emboscada antes dos vinte, de fome um pouco por dia. E de fraqueza e de doença a morte ataca em qualquer idade e até gente não nascida. Veja ali aqueles mininu correndo! Tiveram sorte, passaram de um ano, pois antes disso morre muito aqui. A gente tenta fazer mais, mas eles teima em morrer. Se num ano nasce mil, pode crer que trinta não vinga.
Nesse momento uma daquelas crianças que, se não era Severina no nome, era de vida, com aquela cabeça grande que a custo se equilibrava no ventre crescido, acima de duas pernas finas por onde corre um sangue de pouca tinta, chegou junto de Severino chamando-o de pai.
- Deixe pai lhe apresentar Zé, meu novo amigo. Ele vem lá de Itacuruba, deve tá atrás de alguma coisa boa aqui em Serra. Zé, esse é meu filho, o primeiro que vingou. E ainda deixou a mãe três meses no hospital. Mas passou dos cinco anos e agora tá robusto. Já venceu duas diarréias e uma pneumonia. Acho que esse nasceu de bunda pra lua.
- Ô Severino, esse seu menino estuda? Num devia tá na escola uma hora dessas?
- Ah Zé! O estudo aqui é difícil. Pensei em me mudar pra Triunfo, lá as escolas são mió. Mas a minha pobreza é grande. Aqui eu ainda trabalho na roça; lá, nem isso. O mininu ta estudando, mas perde muita aula por causa de doença, e assim que chegar no segundo grau vai parar pra trabaiá na roça comigo.
- Mas só você trabaia na sua casa, Severino?
- A muié faz uns crochê e renda, e mais uns tal de artesanato. Os turista rico da capitá leva tudin. Mas atualmente o movimento ta fraco...
O menino então falou:
- Zé, tu tem comida?
- Deixa disso menino! - retrucou Severino.
- Comida eu num tenho não meu filho, tenho aqui um potin de mel e uma lasquinha de rapadura, tome pra você. Severino, agora eu preciso ir, tô atrás de um hospitá pra trazer minha mãe que tá doente.
José então partiu, na esperança de achar alguém que pudesse cuidar de sua mãe. Ela já estava cansada e velha, e Zé sabia que poucos ali passavam dos sessenta e cinco, mas não podia desistir, era sua mãe.
Andou mais uns quinze minutos, e já encontrava-se no centro da cidade. Provavelmente era dia de festa, talvez uma comemoração política ou partidária, não sabia ao certo. Bacamarteiros saltavam fazendo danças e atirando. O povo ria e aplaudia, e Zé ficou encantado com tudo aquilo. Eita beleza de cidade! Pensou. Ali deveria haver um lugar onde sua mãe seria muito bem tratada.
Quando afastou-se daquela multidão que festejava, viu que baleia não mais o acompanhara (ele deve ter encontrado seu caminho). Encontrou um posto de saúde e resolveu entrar para pedir informações. Nunca tinha visto um posto daqueles. Tinha médico lá, o dia todo, diferentemente de sua cidade. Ficou empolgado, estaria agora na mina de ouro para o tratamento de sua mãe? Pediu licença e foi entrando, passou por um longo corredor com quarto portas, ouviu um barulho estranho, achou ser uma reforma, mas era apenas o barulhinho assustador do compressor do dentista. Chegou ao balcão de recepção onde estava uma moça linda e simpática, que José adoraria que estivesse à sua espera.
- Boa tarde minha sinhora! A sinhora podia me ajudar?
- Diga moço, a que lhe sirvo?
- Eu vim de distante. Há dias que viajo a pé. Me disseram que aqui nessa cidade, eu podia encontrar o que preciso. Minha mãezinha, senhora, está muito velha e doente. Ela já tá no finalzinho, eu sei, mas me acho obrigado a cuidar dela. Onde eu acho um médico pra cuidar dos rim dela? Pelo visto, essa cidade aqui atende muita gente, acho que todo mundo vem pra cá. Mas é difícil sabe. Os bichos atacam nossas barrigas, nossos pulmão, e onde nois mora, num tem muito onde tratar. O melhor é aqui mesmo. Onde eu posso ir? Ah! Me chamo José, é um prazer.
- José, como em todo lugar, é muito difícil a gente conseguir atender toda a população. A gente tenta cuidar das grávidas, mas num damo conta. Das criança, mas num damo conta, e nem dos velhos. O povo continua morrendo e adoecendo de diarréia, pneumonia, verme... Os hospitá ta tudo lotado. Pode acreditar, falta até cama pros doente, eles têm que ficar em cadeira (na verdade tem leito, visse! Mas um monte quebrado). A que ponto chegamos; isso quando não falta médico da especialidade que precisam, e o povo tem que ir pro Recife. Mas eu vou lhe ensinar, a chegar no Estadual. Porque aqui é só PSF, num serve mais pra sua mãe não. Ela precisa duma coisa maior.
- Obrigada moça. Deus lhe pague!
- Não tem de quê! – Entregou o papel a Zé, e ele saiu, em busca do hospital estadual Professor Agamenon Magalhães, o maior, melhor, e único da região.
José, cansado que estava, resolveu parar agora para comer. Precisava encher a barriga com algo de mais sustança. Entrou num boteco, próximo ao posto de saúde, e pediu um prato de comida. Enquanto a comida fervia no fogo, José foi ao orelhão, ligar pra casa, pra saber como as coisas andavam por lá. Imaginou cada grão daquele feijão borbulhando na panela, enquanto caminhava até o orelhão e sentia o chão ardendo-lhe por sob os pés. Usou a única ficha que tinha e desejou, com as últimas forças que lhe restavam, que alguém atendesse a ligação. Passado um longo tempo de vinte segundos esperando, alguém falou do outro lado da linha.
- Alô?!
- Alô Maria! Aqui é Zé! Cheguei em Serra irmã, é tudo tão lindo e tão grande aqui. Achei um hospitá que a moça me indicou, acho que vão poder cuidar de mãe. Como as coisas vão aí?
Um silêncio gélido se fez do outro lado da linha. Há dias José não sentia um frio na espinha, mas preferia não ter de senti-lo daquela forma, o calor imediatamente tornou-se o mais confortável sentimento, mas agora estava tudo frio. Entendeu o que se passava. A sua mãe era só mais uma, mais uma que entrara na estatística. Dos que morrem sem atendimento, ou dos que morrem das doenças mais prevalentes, ou dos que morrem de miséria, ou dos que morrem de velhice... Em qualquer parâmetro ela se encaixava. Pôs o telefone no gancho, como quem descarrega as botas cansadas da lida após um dia inteiro de trabalho duro. Voltou ao boteco arrastando-se como um caminhão puxa um bloco de concreto. Escalou a cadeira e sentou-se em frente ao prato de comida. O feijão tornara-se sem cor, sem gosto. A viagem tornara-se sem sentido e, José, sem esperança. Pôs-se então a pensar...
“E agora, José?
O dia acabou,
A vida findou,
A noite esfriou.
E agora, José?
E agora, você?
Você que é sem mãe,
Que não tem dinheiro,
Que mal tem saúde,
Que vive, sonha?
E agora, José?
Está sem ninguém,
Está sem discurso,
Sozinho sem rumo,
Já não pode sorrir,
Já não pode prosseguir,
Dormir, mal pode...
E agora, José?
Sua doce palavra,
Seu instante de febre...
Seu ódio – e agora?
Com a chave na mão
Quer abrir a porta
Não existe porta;
E as que existem não abrem.
Se você gritasse,
Se você gemesse,
Se você lutasse?
Mas você é apático,
Perdeu a chance,
A mãe já não vive.
Se você dormisse,
Se você cansasse,
Se você morresse...
Não! Morrer não José!
Só pra entrar na estatística?
Marche José!
Fuja a galope,
Mesmo sem saber pra onde,
Um dia irás chegar.”
terça-feira, 16 de março de 2010
O fim do Carnaval
A relação médico-paciente, humana em grau, número e gênero, não foge desses parâmetros. A bata branca é a fantasia mais segura, e a doença é a máscara mais oclusiva. Porém, um dia, o baile precisa acabar. Cabe ao médico, e também ao paciente, propor a chegada da quarta-feira de cinzas, onde voltamos a ser nós mesmos, nos despimos dos adereços para voltar à vida real. E essa nudez de máscaras e fantasias faz com que percebamos no nosso paciente (enquanto médicos) um ser humano completo, biológico, psíquico e socialmente, e passamos, então, a tratá-lo com a dignidade devida. Essa mesma nudez faz com que percebamos nos nossos médicos (enquanto pacientes) um ser humano completo, que não é uma máquina fonte de cura e sim uma mente e um coração fontes de amparo e cuidado.
Nosso dever então, enquanto futuros médicos, é fazer com que a relação médico-paciente seja a profissionalização de uma relação puramente pessoal e a “desprofissionalização” de uma relação puramente profissional, mantendo-se sempre o respeito à pessoa humana para que se alcance, de fato, desenvolvimento pessoal e profissional plenos.
Texto escrito em: 03/03/2010
Tema: A relação médico-paciente
quarta-feira, 30 de dezembro de 2009
Ainda há tempo
Todo início de ano fazemos planos. Fazemos sim, não adianta você tentar me convencer de que consegue passar 100% dos seus dias sem planejar sequer a hora de levantar no dia seguinte. E isso é importante, eu diria, fundamental, planejar é bom, mas pode ser perigoso. Abrindo um parêntese (li em algum lugar que planejamento demais pode tornar a vida insegura, e é verdade plena, mas planejamento de menos torna a vida uma incomodante e, por vezes, desagradável aventura). Lembro-me bem, na virada de 2008 para “2000inove” eu prometi a mim mesmo inovar. Prometi que daria mais atenção à minha esposa, que jogaria futebol com meus filhos no final de semana, que seria gentil com meus funcionários e sincero com meu chefe. Na festa da virada, presenteando quem estava perto de mim, fiz promessas e mais promessas, de parar de fumar, de não comer o filete de gordura na picanha do churrasco-de-todo-domingo na casa de mamãe e assim fui, movido por sei-lá-o-que?, prometi várias e várias coisas, enquanto preparava mais uma dose de whisky para beber com os amigos (afinal era o único momento do ano em que eu bebia, não sei por que, mas era). Só esqueci de fazer uma promessa, a de cumprir tudo que foi prometido (também nem poderia, você vai entender por que).
A festa passou, todos foram dormir, mas eu continuei na euforia, acho que a bebida me deixou alerta, o que não costuma ser comum. Deitei ao lado da minha esposa, após ter ido ao quarto dos meus filhos e desejado boa noite aos dois que já dormiam, e então fiquei acordado, os olhos não fechavam. Fiquei quieto para não acordá-la, admirei sua beleza, apreciei seu doce perfume e comecei a pensar na vida.
Mais um ano tinha ido. Foi tão rápido que eu nem havia notado que Lucas (meu filho mais velho, de 13 anos) não estava mais usando o lençol do Mickey desde seu aniversário em Junho (é em Junho o aniversário dele? É sim... às vezes nem tenho tempo de lembrar). Foi tão depressa que eu nem tinha percebido que o mais novo, Pedro, de 6 anos, já havia parado de fazer xixi na cama e não precisávamos mais de plásticos no colchão. Então me dei conta que a vida esteve passando, do meu lado, e eu olhava mais não via, podia até estar sempre ativo, mas não vivia verdadeiramente. Era como se eu estivesse numa corrida, olhando sempre pra frente, sempre com os meus objetivos, minhas vontades, sempre eu, eu, eu... E não via aqueles que corriam ao meu lado, meus filhos, meus amigos, minha esposa. Talvez se eu caísse na pista, eles me levantassem, mas se não, talvez eu nem notasse que eles estavam ali. E se eles caíssem, teria eu percebido? Graças a Deus que a bebida, daquela vez, me deixou alerta!
Deus? Quem tinha sido Deus para mim? – pensei – Vivia usando as expressões “graças a Deus” e “se Deus quiser”, mas acho que fazia muito tempo que não pensava no valor real delas. Então me perguntei: “José, realmente quando tu dizes “graças a Deus” tu estás agradecendo a Ele pela tua conquista ou é uma forma eufêmica e humilde de se vangloriar e dar méritos próprios às tuas vitórias?”. Não tive resposta, ou tive vergonha da resposta que podia ser dada... Depois, fiz novo questionamento: “Ei, o teu “se Deus quiser” é sincero ou é somente parte das preliminares do ‘cruzar os dedos’ e esperar ansiosamente para que o que Ele quer coincida com o que você quer?” Mais uma vez, sem resposta. Silêncio. Peguei no sono.
Bom, nem sei por que estou falando essa história toda. Já estamos no final de 2009 e eu, no lugar de estar pensando em 2010, to me remetendo ao passado. É... perdi o fio da meada... Droga!
[...]
?
...Ah! Lembrei. Eu comecei falando sobre planos e tal. Era sobre isso que eu queria falar. Você já fez seus planos para 2010? Quantas viagens vai fazer? Quantas vezes vai dizer que ama a sua esposa(o), seus pais ou o seu melhor amigo(a) sem nenhum acanhamento? Vai estudar mais? Vai obedecer papai e mamãe, ou brincar mais com seus filhos? Vai mais à igreja, ler um livro, dançar tango, correr na praia, perder 10 kg?
Antes de fazer tudo isso... Ou melhor, pare um pouco agora. Você já fez alguns planos sim, eu sei, mas pare um pouco, só um instante. Pense nos planos feitos de 2008 para 2009. Quantos você realizou? De quantos você fugiu? Pensou? Pronto, talvez agora você tenha mais cuidado com o que vai moldar para 2010.
Eu não quero te desanimar, de jeito nenhum. Mas tenta parar um pouco de planejar, ou pensar mais antes de prometer. Você não tem o controle das coisas. Deus é quem tira, e repõe. E, amigo(a), se ele tirar algo de você, xiiii... Vai te desestruturar toda vez que você achar que tinha o controle.
Sou exemplo, vivo. Prometi que em 2009 viajaria com minha esposa pras praias do Nordeste. Estava tudo planejado, trabalharia bastante, tiraria férias em novembro, e então viajaríamos juntos. Prometi também escrever um artigo, para meu chefe ficar feliz, e facilitar as férias. Eu já tinha tema, já tinha fontes, já tinha papel e caneta. Tudo meticulosamente organizado e planejado, tudo sob o meu controle, era só eu começar a apertar os botões, e as coisas iam se fazendo, por elas próprias. Mas, agora em Dezembro, no penúltimo dia do ano, posso te dizer que nem tudo foi como planejado. Na verdade, nada foi. Resumindo, a esposa do meu chefe descobriu um câncer de mama, precisou ir para o exterior se tratar. Eu, que sou amigo pessoal do meu chefe (sim, é possível) fui nomeado para ficar em seu lugar: conseqüência – nada de tempo para escrever artigo, nada de chefe feliz (ele também não tinha como ficar nem com 10 trabalhos publicados), nada de férias em novembro, nada de viagem, esposa triste com minha falta de tempo (mas inexplicavelmente, ou não, me amando sempre). E junto com isso, nada dos meus “pequenos” planos pôde ser feito. Eu não sabia que mudaria interinamente de cargo na empresa. Foi tudo novo, por vezes obscuro, mas sempre novo. Hoje, dia 30/12/2009 vi que de nada adiantou planejar tantas coisas centradas no meu “eu” para 2009. Se eu tivesse prometido ser mais amável com minha esposa, teria me esforçado para cumprir sempre que estivesse com ela, mas prometi dar mais atenção, que demanda tempo, e tempo eu não tive. Eu não prometi ser 100% dela, prometi estar 100% com ela, erro. Se tivesse prometido demonstrar que amo meus filhos de uma forma que eles pudessem enxergar talvez tivesse conseguido, mas prometi futebol toda semana, e, mais uma vez, não tive tempo. Prometi comportamento diferente com chefe e funcionários, mas não sabia que eu seria o chefe. Tantas foram as promessas, tantas que foram frustradas por terem sido sempre acompanhadas de planos que me tornavam o Controlador da minha própria vida, e que não reconheciam que esse papel é Divino.
Mas ainda há tempo. Há ainda o dia 31 inteiro para amar minha esposa e meus filhos, há ainda o dia 31 inteiro para elogiar meus funcionários, há ainda o dia 31 inteiro para ligar pro meu chefe e dizer o quanto ele tem me ensinado, para ligar pros meus pais e agradecer por tudo que fizeram por mim um dia. Ah! Uma coisa eu esqueci de comentar, estou parando de fumar, sinto que falta pouco, e isso muito me anima, além de deixar toda minha família feliz (talvez já tenha sido uma bela forma de demonstrar o quanto os amo).
Pense nisso, amanhã ainda é dia 31. São 24 horas inteiras para se fazer muito do que deveria ter sido feito. Para perdoar, ensinar, amar, ajudar e, por que não, planejar um novo ano melhor. Ah! E tente complicar menos sua vida, ela é simples sim, um amigo já me disse que, olhando para o mar, percebeu como a vida é simples e como nós é que gostamos de complicá-la, e isso é verdade, fato!
Reflita na noite de hoje, e separe o dia de amanhã para agir. Acorde e abrace o primeiro que você encontrar e diga o quanto aquela pessoa é importante para sei-lá-quem?. O dia 31 é igual aos outros do ano, tem 24 horas, e isso é muito tempo.
Agradeça pelo ano que teve, entregue seu novo ano nas mãos de Deus, o único que pode lhe garantir uma vida feliz, e comemore a vida.
Ainda há tempo, de agora para meia-noite de amanhã há “milhares” de horas para você ser, durante todas essas “poucas” horas, 100% do que você planejou ter sido, como pessoa, o ano inteiro de 2009.
Feliz ano novo para você e sua família. Bênçãos de Deus hoje e sempre!
Um abraço,
José.