"Que as palavras soem para você da melhor maneira a se encaixar na sua vida. Sejam doces, amargas, confortadoras, desafiantes, incômodas. Mas que soem... Esse é o meu real desejo."

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Calem a boca, Nordestinos!

Reproduzo aqui um texto que ganhou a internet nesta semana...Sou absolutamente contra toda e qualquer forma de preconceito.



Por José Barbosa Júnior

A eleição de Dilma Rousseff trouxe à tona, entre muitas outras coisas, o que há de pior no Brasil em relação aos preconceitos. Sejam eles religiosos, partidários, regionais, foram lançados à luz de maneira violenta, sádica e contraditória.

Já escrevi sobre os preconceitos religiosos em outros textos e a cada dia me envergonho mais do povo que se diz evangélico (do qual faço parte) e dos pilantras profissionais de púlpito, como Silas Malafaia, Renê Terra Nova e outros, que se venderam de forma absurda aos seus candidatos. E que fique bem claro: não os cito por terem apoiado o Serra... outros pastores se venderam vergonhosamente para apoiarem a candidata petista. A luta pelo poder ainda é a maior no meio do baixo-evangelicismo brasileiro.

Mas o que me motivou a escrever este texto foi a celeuma causada na internet, que extrapolou a rede mundial de computadores, pelas declarações da paulista, estudante de Direito, Mayara Petruso, alavancada por uma declaração no twitter: "Nordestino não é gente. Faça um favor a SP, mate um nordestino afogado!".

Infelizmente, Mayara não foi a única. Vários outros “brasileiros” também passaram a agredir os nordestinos, revoltados com o resultado final das eleições, que elegeu a primeira mulher presidentE ou presidentA (sim, fui corrigido por muitos e convencido pelos "amigos" Houaiss e Aurélio) do nosso país.

E fiquei a pensar nas verdades ditas por estes jovens, tão emocionados em suas declarações contra os nordestinos. Eles têm razão!

Os nordestinos devem ficar quietos! Cale a boca, povo do Nordeste!

Que coisas boas vocês têm pra oferecer ao resto do país?

Ou vocês pensam que são os bons só porque deram à literatura brasileira nomes como o do alagoano Graciliano Ramos, dos paraibanos José Lins do Rego e Ariano Suassuna, dos pernambucanos João Cabral de Melo Neto e Manuel Bandeira, ou então dos cearenses José de Alencar e a maravilhosa Rachel de Queiroz?

Só porque o Maranhão nos deu Gonçalves Dias, Aluisio Azevedo, Arthur Azevedo, Ferreira Gullar, José Louzeiro e Josué Montello, e o Ceará nos presenteou com José de Alencar e Patativa do Assaré e a Bahia em seus encantos nos deu como herança Jorge Amado, vocês pensam que podem tudo?

Isso sem falar no humor brasileiro, de quem sugamos de vocês os talentos do genial Chico Anysio, do eterno trapalhão Renato Aragão, de Tom Cavalcante e até mesmo do palhaço Tiririca, que foi eleito o deputado federal mais votado pelos... pasmem... PAULISTAS!!!

E já que está na moda o cinema brasileiro, ainda poderia falar de atores como os cearenses José Wilker, Luiza Tomé, Milton Moraes e Emiliano Queiróz, o inesquecível Dirceu Borboleta, ou ainda do paraibano José Dumont ou de Marco Nanini, pernambucano.

Ah! E ainda os baianos Lázaro Ramos e Wagner Moura, que será eternizado pelo “carioca” Capitão Nascimento, de Tropa de Elite, 1 e 2.

Música? Não, vocês nordestinos não poderiam ter coisa boa a nos oferecer, povo analfabeto e sem cultura...

Ou pensam que teremos que aceitar vocês por causa da aterradora simplicidade e majestade de Luiz Gonzaga, o rei do baião? Ou das lindas canções de Nando Cordel e dos seus conterrâneos pernambucanos Alceu Valença, Dominguinhos, Geraldo Azevedo e Lenine? Isso sem falar nos paraibanos Zé e Elba Ramalho e do cearense Fagner...

E não poderia deixar de lembrar também da genial família Caymmi e suas melofias doces e baianas a embalar dias e noites repletas de poesia...

Ah! Nordestinos...

Além de tudo isso, vocês ainda resistiram à escravatura? E foi daí que nasceu o mais famoso quilombo, símbolo da resistência dos negros á força opressora do branco que sabe o que é melhor para o nosso país? Por que vocês foram nos dar Zumbi dos Palmares? Só para marcar mais um ponto na sofrida e linda história do seu povo?

Um conselho, pobres nordestinos. Vocês deveriam aprender conosco, povo civilizado do sul e sudeste do Brasil. Nós, sim, temos coisas boas a lhes ensinar.

Por que não aprendem conosco os batidões do funk carioca? Deveriam aprender e ver as suas meninas dançarem até o chão, sendo carinhosamente chamadas de “cachorras”. Além disso, deveriam aprender também muito da poesia estética e musical de Tati Quebra-Barraco, Latino e Kelly Key. Sim, porque melhor que a asa branca bater asas e voar, é ter festa no apê e rolar bundalelê!

Por que não aprendem do pagode gostoso de Netinho de Paula? E ainda poderiam levar suas meninas para “um dia de princesa” (se não apanharem no caminho)! Ou então o rock melódico e poético de Supla! Vocês adorariam!!!

Mas se não quiserem, podemos pedir ao pessoal aqui do lado, do Mato Grosso do Sul, que lhes exporte o sertanejo universitário... coisa da melhor qualidade!

Ah! E sem falar numa coisa que vocês tem que aprender conosco, povo civilizado, branco e intelectualizado: explorar bem o trabalho infantil! Vocês não sabem, mas na verdade não está em jogo se é ou não trabalho infantil (isso pouco vale pra justiça), o que importa mesmo é o QUANTO esse trabalho infantil vai render. Ou vocês não perceberam ainda que suas crianças não podem trabalhar nas plantações, nas roças, etc. porque isso as afasta da escola e é um trabalho horroroso e sujo, mas na verdade, é porque ganha pouco. Bom mesmo é a menina deixar de estudar pra ser modelo e sustentar os pais, ou ser atriz mirim ou cantora e ter a sua vida totalmente modificada, mesmo que não tenha estrutura psicológica pra isso... mas o que importa mesmo é que vão encher o bolso e nunca precisarão de Bolsa-família, daí, é fácil criticar quem precisa!

Minha mensagem então é essa: - Calem a boca, nordestinos!

Calem a boca, porque vocês não precisam se rebaixar e tentar responder a tantos absurdos de gente que não entende o que é, mesmo sendo abandonado por tantos anos pelo próprio país, vocês tirarem tanta beleza e poesia das mãos calejadas e das peles ressecadas de sol a sol.

Calem a boca, e deixem quem não tem nada pra dizer jogar suas palavras ao vento. Não deixem que isso os tire de sua posição majestosa na construção desse povo maravilhoso, de tantas cores, sotaques, religiões e gentes.

Calem a boca, porque a história desse país responderá por si mesma a importância e a contribuição que vocês nos legaram, seja na literatura, na música, nas artes cênicas ou em quaisquer situações em que a força do seu povo falou mais alto e fez valer a máxima do escritor: “O sertanejo é, antes de tudo, um forte!”

Que o Deus de todos os povos, raças, tribos e nações, os abençoe, queridos irmãos nordestinos!

domingo, 7 de novembro de 2010

Castelos de Isopor

Texto escrito para a coordenação do Curso Médico da UFPE, em meio a um período conturbado, em que alguns têm tentato, de alguma forma, fazer andar pra trás todo o progresso já alcançado por outros.


Quem de nós nunca foi a uma festa infantil? Aqueles que têm um senso mínimo de percepção espacial podem concluir comigo que aquelas belíssimas decorações das mesas são um verdadeiro capricho da engenhosidade humana. Lembro-me de uma festa que fui cujo tema era “Jardim Encantado”. Havia castelos de flores e árvores, animais articulados, jogos de luzes, fadas e duendes, movimentação de trenzinhos, dentre outros. Até formiguinhas com olhinhos móveis. Fiquei maravilhada com a criatividade e com a perfeição de cada detalhe. Permaneci até o final, como se costuma fazer nessas festas de família, e pude ver algo que me trouxe alguma reflexão. A desarrumação da festa.

Em menos de 15 minutos toda aquela mesa estava destruída. Foi permitido às crianças o acesso às guloseimas que estavam em cima, e tudo se foi junto com o alvoroço. Vi os donos da festa impressionados e assustados, eles deviam pensar como fora tão rápido voltar ao estado “nu” do salão que havia sido preparado durante exaustivos 2 dias. Ainda bem já haviam tirado fotos.

Bom, mas quero compartilhar aqui a minha reflexão sobre esses fatos. Na verdade, gostaria de fazer uma associação com aquilo que tenho vivido no curso médico, nesses quase 6 semestres completos de curso.

Entramos na universidade já com uma nova cara. A reforma curricular do curso já havia se instalado de direito e, achávamos nós, que também de fato. No entanto, fomos “surpreendidos” com uma grade curricular um tanto quanto desestimulante no primeiro período. Sonhos frustrados? Não, acho que essa não é a pergunta correta. Viemos sim, cheios de sonhos, mas também com a cabeça aberta a tudo de novo que nos seria apresentado. Expectativas então? Essas sim, essas talvez tenham amornado ou até esfriado no pensamento de alguns. Mas fomos superando e aos poucos nos inteirando daquilo que o curso médico realizou e vem realizando ao longo dos tempos.

A impressão que tenho é de que é como se essa reforma curricular que sabemos ser um grande avanço ainda não estivesse preparada para ser instalada. Ou melhor, não é bem isso. Acredito que a cultura educacional do nosso país ainda não está preparada para sofrer transformações tão drásticas num tradicionalismo que, acham eles, dar certo eternamente. Mas não acho que vale muito a pena entrar nesse mérito, apesar de oportuno, seria um texto politicamente longo, talvez provocador, mas um tanto quanto parcial.

Vale, sim, destacar que desde cedo somos acostumados a buscar conhecimento para manter determinados padrões. O que quero dizer com isso? Se pusermos na curva de Gauss os estudantes brasileiros (digo aqui aqueles que realmente estudam) podemos observar um padrão aproximado da seguinte forma: a grande massa estuda por notas, e aqueles que estão nos percentis mais afastados estudam, de fato, pelo conhecimento e pela contribuição pessoal e social desse conhecimento adquirido. O estudante de medicina devia enquadrar-se nesses percentuais mais afastados, mas não é o que acontece sempre. E de quem é a culpa disso? Quem sou eu para julgar? Mas, é certa uma coisa: a universidade que deveria ser (ou pelo menos tentar) transformadora desses pensamentos nos jovens que adentram, na verdade, tende a atrapalhar um pouco o processo.

A entrada na universidade é um período que nos distanciamos da família e, com isso, de alguns princípios da criação. Não pelo fato de esquecermos aquilo que nossos pais nos ensinaram, mas pelo fato de adentrarmos novos universos, termos agora novas percepções de vida e do mundo, e traçarmos novos horizontes a serem alcançados. E o curso médico deveria, a meu ver, articular-se prevendo esses acontecimentos, a fim de trabalhar nos estudantes os princípios éticos e morais para que a formação seja satisfatória. E aqui aproveito para destacar o importante valor do eixo humanístico e social do curso que, ainda tímido em alguns momentos, tem ganhado um espaço importante e divisor d’águas da formação médica.

Já que tenho falado de sociedade acho prudente que pensemos um pouco sobre como esta vê a profissão médica e o indivíduo médico. Somos nós (profissionais médicos) vistos, muitas vezes, como o curador, o solucionador, aquele que veio para resolver os problemas. Como habitamos um país pobre, onde a grande maioria das pessoas depende do SUS, é mais evidente esse endeusamento do profissional médico como alguém que veio sanar o maior problema do indivíduo em questão. E nós, na nossa humanidade extrema, abraçamos essa idéia e, muitas vezes, até concordamos com ela. Aí está o X da questão.

A estrutura atual do curso médico nos faz pensar em alguns temas importantes, um deles é a hierarquia. Vejo como sendo uma dificuldade constante essa de se submeter a uma liderança. A estrutura departamental do curso se acha (ou é) autônoma suficiente para ditar suas regras e conduzir seus módulos como melhor entender. Nesse meio, a figura da coordenação torna-se um mero moderador das ações, sem nenhum poder decisivo, sem nenhuma influência determinante. E nós alunos, coitados, somos os cobaias das experiências individuais e, muitas vezes dissonantes, de cada professor, coordenador ou departamento.

Por que tudo isso acontece? Da palavra grega “Narke” deriva o termo narcisista, que quer dizer entorpecido. No conceito que conhecemos, trata-se de indivíduos cheios de si mesmo, entorpecidos, que se auto-esmeram. E é isso que vejo acontecer no nosso curso. É como se cada departamento, dentro de cada especialidade médica, se achasse o mais importante. E, com isso, vamos nos formando mini-especialistas de neurologia, de ginecologia, de endocrinologia, de pneumologia e... no fim das contas, nem generalistas sabemos ser direito. A primeira mudança que proponho é uma reflexão quanto a esse narcisismo exacerbado. É sabido que temos professores fantásticos, grandes nomes da medicina e da ciência. Mas todos também sabemos que muitos desses se vangloriam dos títulos, se apóiam em estruturas instáveis de feitos do passado, se espelham numa imagem criada pela e para a sociedade e, assim, vão levando como podem o dever que têm da docência. Isso por que consideram fazer muito pela sociedade (e realmente muitos o fazem), mas esquecem que a negligência com o nosso aprendizado é o pior “crime” social que têm cometido. Esquecem a responsabilidade extrema que têm de ser exemplo para jovens como nós.

Sugiro então um repensar da condição narcisista de auto-admiração para auto-conhecimento. Um indivíduo que toma a consciência do conhecimento de si mesmo, de suas capacidades e limitações (que são muitas) é o primeiro a trazer as melhores contribuições tanto pessoais quanto sociais. E é desse tipo de profissional que o curso médico precisa, tanto na liderança, quanto nos liderados. Profissionais que saibam reconhecer na sua limitação o valor do outro, que saibam entender que a especialidade X não é mais importante que a Y, e que, no fim das contas, o mais importante mesmo é a boa formação do aluno. É preciso que cada chefe de departamento abstenha-se da auto-admiração e comece a compreender a necessidade de ser liderado, não para ser mero “pau mandado” de um coordenador, mas sim para harmonizar as notas e entoar os acordes da organização do curso.

Dessa forma, talvez nós alunos deixemos de ser vistos como bibelôs, como pupilos escolhidos de cada professor, em quem são depositadas apostas sobre o que farão no futuro, apostas sobre o que podem fornecer agora, e nunca apostas para cobrir o que de fato é necessidade. Deixaremos de ser os escolhidinhos da ginecologia, da pediatria, da neurologia e passaremos a ser vistos como indivíduos que precisam dar importância e ver importância em todas as áreas.

Somente dessa forma o curso médico deixará de ser construtor desses castelos de isopor das festas infantis. Castelos que são lindos, compostos por grandes nomes das mais diversas especialidades, mas que não têm a base do conhecimento humano, social e holístico. Castelos que decoram a imagem da Universidade diante do país e, quiçá, do mundo, mas que se abalam com um simples vento (aqui representado por uma prova de residência ou uma avaliação do MEC – que também não são os melhores parâmetros). Castelos que ganham as melhores notas quantitativas e as piores qualitativas. Castelos que compõem uma estrutura arcaica e feudal, onde não há liderança e só vontades próprias. Castelos coloridos, que chamam a atenção dos olhos, mas que não atendem a demanda da população. Castelos que, apesar de ostentar alguma riqueza, não servem, no fim das contas, nem mesmo para massagear o ego daqueles que o constroem.

Deixará de construir castelos que, de fato, servem apenas para o dono da festa tirar uma foto bonita, guardar de recordação o retrato, a imagem do grande feito, mostrar para os outros verem, e, no fim das contas, deixá-los ao léu de quem quer que seja destruir sem qualquer dificuldade.

E passará a construir castelos firmes, que são o reflexo da capacidade humana e do merecimento da sociedade como retorno ao que fazem por nós e para nós.