"Que as palavras soem para você da melhor maneira a se encaixar na sua vida. Sejam doces, amargas, confortadoras, desafiantes, incômodas. Mas que soem... Esse é o meu real desejo."

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Carta a um estudante de medicina...

Olá leitor, há tempos que não posto nada aqui. É que as aulas começaram, e as coisas ficam mais corridas. Presenteio vocês, agora, com um texto de um amigo de turma que vocês saberão o nome.

"Colegas,

Acho que todos estão percebendo que o tempo está passando e o curso está mudando. Saímos do ciclo básico e estamos começando a etapa profissionalizante; novas matérias, novos professores, novas metodologias e muitas expectativas. Mas aí é que tá! Muito mais do que o curso, nós também estamos mudando, e mudando muito.
Depois de 3 períodos é muito interesante perceber o quanto a nossa turma mudou alguns comportamentos. Quem não lembra da antiga apreensão com o curso? daquela ansiedade de ver uma peça anatômica? Pra alguns, ansiedade até em colocar uma bata. Enfim, daquele sentimento de calouro, que dura bem mas do que o primeiro período. Pois é, perdemos antigas inseguranças, aprendemos a lidar melhor com as deficiências do curso e com nós mesmos, e aos trancos e barrancos, estamos amadurecendo. Mas, essa nova fase do curso, ao mesmo tempo que tem me feito refletir nostalgicamente sobre nossa turma, têm feito perceber outra realidade. Outra realidade dura, principalmente nas aulas práticas no HC (Hospital das Clínicas).
Estamos começando a perder a criticidade quanto a o que tipo de médicos, essa metodologia de ensino arcaica, está nós transformando. É frustrante lembrar das reflexões da semana de calouros ou das aulas de MEHRU (medicina, ética e relações humanas) e de MSE (medicina, sociedade e ética), sobre ética, humanização e relação médico-paciente, nas quais tantos de nós energeticamente defendemos a necessidade de uma mudança de conduta por parte dos médicos, a necessidade de uma medicina voltada pra o paciente, e hoje perceber o quão pouco refletimos sobre forçar uma paciente a ser palpada por 12 alunos, ou sobre examinar doentes terminais como 'vitrines patológicas'. E o pior, simplesmente acreditar que isso é normal, ou ainda, que esse tipo de situação é 'essencial para o nosso aprendizado'.
De fato, o conhecimento médico ele exige habilidades práticas, e também é um fato que esse conhecimento deve ser adquirido através do contato do estudante com o paciente. Isso é indiscutível. Mas, outros aspectos não podem ser ignorados.
Também é um fato que nossa universidade tem falhas. Existem problemas conjuturais bem maiores (professores fantasmas que recebem e não dão aula, a herança de uma formação médica fragmentada que valoriza o modelo do médico-industrial, que valoriza uma visão fragmentada do indivíduo, que enxerga o médico como sujeito e o paciente como objeto, herança essa que se reflete tanto no modo como as aulas são ministradas como principalmente na conduta dos nossos preceptores - já que eles foram formados nesse sistema, sem falar do subfinanciamenteo, etc..) e também é um fato que esses problemas não vão se resolver nem tão cedo, e que, por causa disso, realmente os que hoje, buscam aprender alguma coisa terão que se sujeitar a essa 'metodologia'. Infelizmente, essa é uma realidade. Mas e aí, como proceder?
Basicamente com humanidade, e bom senso. Eu sei que pra nossa realidade, uma 'quebra' total desse sistema é inviável, mas, por outro lado, cabe a cada um de nós saber como fazer a diferença diante dessas dificuldades, que são estruturias. Compreender que por mais piegas que possa parecer, em cada leito, em cada maca, em cada quarto, mais do que uma fonte de aprendizado, existe um ser humano. Um ser humano que sofre. Um ser humano que tem angústias, que tem inseguranças, que tem medo. E principalmente, um ser humano, que assim como todos, sonha. Sonha por uma vida melhor.
Pra todos nós, essa nova fase representa o início da concretização de um grande projeto de vida, que é ser médico. Aprender a prática médica, utilizar o conhecimente teórico pra tratar doentes, aprender a dar diagnósticos, métodos terapêuticos, mas principalmente, e acima de tudo, aprender a cuidar. A cuidar do sofrimento, a transformar lágrimas em esperança. E se não tiver como salvar a vida, garantir o bem estar, não só o físico, como emocional. Esse sentimento tem que ser buscado desde já, como estudante.
Em alguns momentos passamos por impasses na turma. Mas apesar disso sempre acreditei que sua maioria ela é formada por pessoas de bem. Portanto, vamos ser críticos com o que estamos nos tornando e o que estamos fazendo. Vamos começar a olhar nos olhos que cada paciente daquelas enfermarias e começar fugir desse argumento medíocre que 'é triste mas é assim mesmo'. Só é assim, se a gente fizer assim. "
"Um dia, todos nós vamos para a solidão de um túmulo. Uma criança com um dia de vida já é velha o suficiente para morrer. A morte é a derrota da medicina. Todavia, apesar das limitações da ciência, devemos usar todas as nossas habilidades, não apenas para prolongar a vida, mas para fazer dessa breve existência uma experiência inesquecível. Os médicos devem ser pessoas de rara sensibilidade, artesãos de emoções, profissionais capazes de ver as angústias, ansiedades e lágrimas que se escondem sob os sintomas. Caso contrário, tratarão de órgãos e não de seres humanos. Acima de tudo, os médicos, bem como todos os profissionais da saúde, devem ser vendedores de sonhos. Pois se conseguirmos fazer os nossos doentes sonharem, ainda que seja com mais um dia de vida ou com uma nova maneira de ver as suas perdas, teremos encontrado um tesouro que os reis não conquistaram." (Augusto Cury)
Por Marcos Holmes (aluno do 4º período da UFPE em 2009.2)
Que as Marias e Josés que nos rodeiam, que são médicos, pacientes, família, amigos, enfim, todos, possam ser, no mínimo, contaminados com o pensamento de Marcos Holmes.
Parabéns Marquinhos!

domingo, 2 de agosto de 2009

Vôo 4031

Fiz esse texto para um amigo, para ele usar num trabalho, mas resolvi postar aqui também, a mensagem é útil. Foge um pouco da temática e do estilo do meu blog, mas caiu como uma luva para meu amigo, objetivo alcançado.

Tiiim, toon!

Acabei de chegar ao aeroporto e ouvi a sirene dos avisos. A moça que fala é a mesma em todo lugar? É uma gravação? Porque a recifense tem o mesmo sotaque da gaúcha? Não vem ao caso (embora às vezes eu pense, estou sendo perseguido por ela?). Aquela voz que sai pelas caixas de som parece que entrou pelos meus ouvidos, mas não fez nenhum efeito. Ainda estou meio atordoado. Acordei atrasado hoje, mas porque logo hoje? Eu nunca me atraso.

Corri para o guichê de check-in. Fila. Como sempre, os aeroportos daqui do Brasil estão ficando cada vez mais conturbados. Já que vou esperar na fila, e acredite você (posso ver aqui umas 19 pessoas a minha frente, ou melhor, umas 21, há duas crianças que eu não tinha visto) vou esperar um bocado, então que tal conversarmos? Pelo menos passa meu tempo e o seu, e assim nos conhecemos. Ou melhor, você me conhece. Chamo-me José, vou viajar em instantes para... Direi em breve. Recebi uma proposta irrecusável em outra cidade e estou indo conhecer o local.

Bom, mas o foco aqui não é na verdade o aeroporto, e sim pra onde vou e minha proposta. Já que você resolveu me ouvir, vou falar, eu estava mesmo precisando conversar com alguém sobre isso. Você já viajou de avião? Eu tenho medo. Voar me assusta, mas mantenho-me firme. Prefiro que as aeromoças não vejam minha fraqueza, até agora tenho conseguido escondê-la.

Eu trabalho com telecomunicações. Sou engenheiro, solteiro, tenho 25 anos, me formei há 2 anos. Já consegui um bom emprego, não tenho mesmo do que reclamar. Mas agora vou direto ao primeiro ponto. A proposta.

Recebi um telefonema, segunda-feira da semana passada, me chamando para viajar ao Mato Grosso do Sul (próximo ao limite com São Paulo), há um projeto lá de construção de uma usina, e a empresa na qual trabalho ficou responsável por alguns serviços durante 3 anos. A primeira coisa que pensei: “Tá louco? O que eu perdi lá? Não, definitivamente não vou.” Levantei-me do sofá e me veio na cabeça uma coisa que minha mãe falou há algum tempo: “O Senhor disse a Abrão: Sai da tua terra, do meio de teus parentes, da casa de teu pai, e vai para a terra que eu vou te mostrar”. Esse texto está na Bíblia, se não me engano. É que eu não me ligo muito nessas coisas de religião e tal... Deus é meio longe, distante, ele tem poder, pra que ia querer saber de mim? [...] No fundo, no fundo, eu queria acreditar. Tenho inveja da minha mãe, da fé dela. Mas isso fica entre nós.

Acontece mesmo na nossa vida. Momentos vêm, e precisamos tomar decisões. No que pensar, então, nessas horas? O que farei, onde morarei, onde/o que será o meu porto seguro? Lágrimas tentaram se formar nos meus olhos, evitei-as, talvez uma tenha caído, não me lembro bem. Fui para o quarto, resolvi rezar. Nessas horas costumo, quando as coisas estão difíceis, recorrer a Deus. Nos demais momentos, me satisfaço de mim mesmo. Falei então: “Deus, o que faço? Não tenho idéia! Me indica o melhor caminho.” E sabem o que Ele me respondeu (não me pergunte como foi isso, não faço a mínima idéia, mas tenho certeza que foi Ele quem respondeu)? “Filhinho, deixa tua vida comigo, e segue. Entrega-me tudo!”

ELE ME CHAMOU DE FILHINHO! Olha, nem meu pai, que mora comigo, me chama assim. Nunca achei que um velhinho, longe e cheio de poderes, poderia me chamar assim. Aquilo mexeu comigo. Bom, eu não tinha outra escolha, pensei, então, ‘vou e Deus faz o que quiser’ (mas com o coração na mão, um pé lá e outro cá).

Segundo ponto. Onde vou? Brasilândia. Você já ouviu falar? Não? Nem eu! Pensei então, eu, jovem, bonito, inteligente, vou fazer o que nesse “fim-de-mundo”? Foi aí que lembrei que Deus tinha me dito: “Entrega-me tudo!” O sentimento de inveja que eu sentia da minha mãe começou a mudar para preocupação. Como é que ela tinha tanta fé num Cara que do nada, mandava as pessoas abandonarem a família, tudo que tinham, e ir para um lugar que ele ainda ia escolher? Eu não podia nem escolher! Pensei em dizer a minha mãe para tomar cuidado, entregar tudo a Deus e não ficar com controle de nada, nadinha? Loucura! Minha mãe é dona de casa, sempre pensei que, por ela não ser uma mulher muito esclarecida (pensava eu), que não viu muito de ciência, acreditasse tanto assim em Deus. Cheguei pra ela pra contar-lhe de minha angústia. Mas... Não foi bem como eu imaginava. A minha mãe não era bem como eu conhecia.

Ela me contou que havia cursado faculdade de Biologia, formou-se e fez mestrado, mas, quando casou com meu pai precisou mudar-se para onde ele trabalhava. Teria que abandonar tudo que havia construído se quisesse criar uma família. Ela combinou com papai de não contar nada disso a mim e a Maria (minha irmã mais nova) para que isso não nos influenciasse em nada. Mas, naquela hora que eu estava numa situação parecida, abriu o jogo e resolveu falar-me como Deus tinha agido da vida dela. Olha, foi uma conversa longa, mas eu não vi a hora passar. “Da mesma forma, qualquer de vocês que não renunciar a tudo o que possui não pode ser meu discípulo”, texto de Lucas, capítulo 14, verso 33, disse-me ela. Agora eu tive certeza, pobre da minha mãe! Mas... Uma grande ação de Deus tava por trás de tudo.

Ele prometeu a mamãe nunca abandoná-la. E realmente cumpriu. Esteve com ela em todos os momentos. Toda nossa criação, todo nosso sucesso, tudo que temos é por conta da fé dela. Nunca faltou-nos o sustento, mesmo em momentos mais difíceis que achávamos estar sós, Ele estava conosco. Mas uma coisa eu descobri. A fé da minha mãe é só dela, não serve para mim, eu preciso também.

E decidi que queria ter a mesma paz que mamãe tinha no coração. Espera aí, se a tal Bíblia diz que Jesus morreu por todos, eu devo estar incluído nesse todos. Comecei a ler esse livro. Até hoje continuo lendo-o.

Hoje, 01/06/03, antes de vir ao aeroporto, li novamente a Bíblia. As angústias continuam, as dúvidas também, mas agora tenho conseguido ouvir a voz de Deus. Percebi que nada na minha vida tinha sentido sem Ele estar presente. Eu não tenho religião, confesso a você, nem pretendo. Acho que não iria me adaptar bem, não suporto a hipocrisia que existe com a caridade ou com o amor fraterno. Mas agora tenho fé. Ela é pequena (mais uma confissão, isso está parecendo um confessionário. Risos.), mas me fortalece e anima. Ainda não tenho certeza se meu futuro será lá no Mato Grosso do Sul. Mas sei que algo está separado para mim lá, vou descobrir e te mando uma carta, ok? Sim, mas já ia esquecendo. Hoje de manhã, mesmo acordando atrasado, li esse verso: "Mas os que esperam no Senhor renovarão as suas forças; subirão com asas como águias; correrão, e não se cansarão; andarão, e não se fatigarão." Isaias 40:31. E tive paz. Sei que posso “voar” em vários sentidos, com as asas de Deus.

Paz porque sei que em minha vida, tudo que farei está sob o controle de Deus. É bem verdade que ainda não consegui entregar tudo nas mãos dEle (como ele pede), no meu dinheiro mesmo, ta difícil deixá-lo mexer. Mas sei que mais cedo ou mais tarde será a única solução, ou nada mais terá sentido. Tenho-me esforçado desde já para essa entrega completa. Você já tentou fazer isso? É difícil viu, mas tente. Entregue tudo, derrame-se. Pois a cada dia que passa vejo que a minha vida torna-se abundante.

Ufa, finalmente chegou minha vez! Vou lá, preciso seguir, foi um prazer enorme conhecê-lo. Espero que nesse meu desabafo eu tenha te ajudado em algo. Desculpa tê-lo feito de psicólogo durante esse momento. Mas eu precisava conversar com você, tinha que ser você! Fique com um cartão meu e até mais!

Texto do cartão:

“Pedi, e dar-se-vos-á; buscai, e encontrareis; batei, e abrir-se-vos-á. Porque, aquele que pede, recebe; e, o que busca, encontra; e, ao que bate, abrir-se-lhe-á. E qual de entre vós é o homem que, pedindo-lhe pão o seu filho, lhe dará uma pedra? E, pedindo-lhe peixe, lhe dará uma serpente? Se vós, pois, sendo maus, sabeis dar boas coisas aos vossos filhos, quanto mais vosso Pai, que está nos céus, dará bens aos que lhe pedirem?” Mateus 7:7-11

Confie você também, não é em vão. jose.jose@josemail.com